Acompanhe também as redes sociais do Hospital Pequeno Príncipe (Facebook, Instagram, LinkedIn, YouTube e TikTok) e fique por dentro de informações de qualidade!
Adultização: quando a infância e adolescência são interrompidas

Por trás dos debates sobre a adultização existem histórias dolorosas de crianças e adolescentes que perdem o direito de simplesmente ser crianças. E esse é apenas um exemplo dos potenciais perigos do sharenting — termo usado para o compartilhamento de fotos e informações de crianças por seus próprios pais.
Embora a preocupação com o tema já existisse, ela ganhou ainda mais evidência após a videodenúncia do influenciador Felipe Bressanim Pereira, o Felca, que viralizou nas redes sociais mostrando que o uso abusivo das redes compromete o desenvolvimento integral do público infantojuvenil.
O acesso crescente às telas faz com que muitas crianças sejam expostas precocemente a conteúdos adultos, e algumas se tornam até criadoras e influenciadoras digitais. Segundo a pesquisa TIC Kids Online Brasil (Cetic.br): 93% dos brasileiros entre 9 e 16 anos (mais de 24 milhões) usam a internet, e mais de 20% acessaram a internet antes dos 6 anos de idade.
O que é adultização?
Adultização é um fenômeno social em que crianças e adolescentes são expostos a expectativas, experiências e comportamentos típicos da vida adulta, antes do tempo natural da infância. Isso prejudica o desenvolvimento da identidade, limita o tempo de descoberta de gostos e preferências e aumenta sentimentos de ansiedade, insegurança e pressão emocional.
PL 2628/2022: um marco histórico
A aprovação do Projeto de Lei 2628/22 representa um passo histórico na proteção de crianças e adolescentes no ambiente digital, atualizando para a era das telas os princípios do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Ao separar o público infantojuvenil dos demais usuários e impor responsabilidades às plataformas, a lei abre caminho para reduzir riscos e frear abusos.
A nova legislação aponta para uma responsabilidade compartilhada.
- Plataformas: cumprir exigências técnicas e éticas.
- Estado: criar regulamentações, fiscalização e sanções.
- Famílias: educar, supervisionar e dialogar.
- Escolas e sociedade civil: transformar o debate em práticas educativas.
- População: cobrar e colaborar.
Atuação do Hospital Pequeno Príncipe
- Desenvolve programas com famílias da primeira infância, reforçando o valor do brincar, da leitura e da afetividade.
- Alerta sobre os riscos do uso excessivo de telas e incentiva vínculos reais.
- Mobiliza professores, voluntários e profissionais de saúde em experiências educativas e criativas.
- Atua na prevenção de agressões e abusos, acolhe vítimas e mobiliza a sociedade na luta contra a violência infantojuvenil com a Campanha Pra Toda Vida.
- Atua em conselhos de direitos e defende que o investimento social privado financie projetos de conscientização e proteção.
Especialistas respondem a dúvidas sobre adultização infantil
Como parte do compromisso com a proteção da infância, o Hospital Pequeno Príncipe produziu um vídeo sobre adultização. A iniciativa busca sensibilizar famílias, educadores e sociedade sobre a importância de respeitar cada etapa do desenvolvimento. Para ver todas as respostas e aprofundar o tema, assista ao vídeo completo no final desta matéria.
O que significa o adolescente não ter o córtex pré-frontal desenvolvido?
Neuropediatra Anderson Nitsche: o nosso cérebro, quando ainda é pequeno, desenvolve esse comportamento condicionado em áreas mais primitivas, como a amígdala e o hipocampo. Conforme vamos evoluindo, nos relacionando com valores, pessoas e o ambiente, o cérebro vai recebendo inputs comportamentais e de valores que estimulam o desenvolvimento de uma área específica: o córtex pré-frontal, localizado no lobo frontal, na parte da frente do cérebro.
Essa região é responsável por uma qualidade de comportamento chamada função executiva, que envolve planejamento, organização e controle emocional. Não há problema em sentir frustração ou raiva. O que importa é como respondemos a esses sentimentos.
O córtex pré-frontal só se desenvolve — felizmente, eu diria — a partir das relações sociais e da vida em sociedade. Estruturalmente, as funções executivas ficam organizadas entre os 20 e 25 anos de idade, dependendo especialmente das experiências de cada pessoa. Essas experiências moldam relações cada vez mais complexas, e a nossa vida social vai se tornando mais elaborada com o tempo. Veja que a relação do cérebro — e do ser humano — com o ambiente tem grande impacto sobre quem essa criança vai se tornar na vida adulta.
Quais são as consequências de deixar uma criança ou adolescente sem supervisão na internet? Como fazer isso sem invadir a privacidade?
Psicóloga Angelita Wisnieski da Silva: a exposição online sem supervisão pode trazer sérios riscos. Com o avanço das tecnologias, imagens e vídeos podem ser manipulados e usados de formas que fogem totalmente ao controle. Por isso, é fundamental ensinar crianças, adolescentes e a sociedade em geral que: existem conteúdos íntimos e privados que não devem ser publicados; até conteúdos aparentemente inocentes, quando expostos nas redes sociais, podem ser utilizados de maneira inadequada.
Esse processo faz parte tanto da educação sexual quanto da educação para o uso das redes sociais e das tecnologias. Trata-se da necessidade de um verdadeiro letramento digital: aprender a usar os recursos on-line com consciência, reduzindo os riscos e protegendo-se de possíveis ameaças. É importante destacar que supervisionar o que crianças e adolescentes fazem na internet não deve ser visto como invasão de privacidade, mas sim como um ato de proteção e cuidado.
Quando pais e responsáveis acompanham e orientam, eles ajudam os jovens a refletirem sobre os ambientes digitais que frequentam e a identificarem potenciais ameaças. Além da família, também é papel das escolas promover ações educativas sobre o tema. E cabe ao poder público criar políticas que estimulem medidas de proteção e conscientização. A sociedade como um todo precisa se engajar nesse processo de cuidado com nossas crianças e adolescentes.
- Veja também – Violência digital contra crianças e adolescentes
A brincadeira é importante por quê? E como podemos resgatar e promover a infância?
Psicóloga Rita Lous: o brincar faz parte da infância e é fundamental. […] O brincar contribui para o desenvolvimento cognitivo, motor, emocional e social, ajudando no amadurecimento necessário para que se torne um adulto saudável.
O brincar livre, dentro da escolha e da espontaneidade da criança, promove saúde mental e física. É importante resgatar brincadeiras antigas, individuais ou coletivas, que sempre foram fonte de aprendizado único. Hoje, muitos pais têm medo de permitir que os filhos brinquem em espaços abertos por questões de segurança. Por outro lado, acabam oferecendo liberdade digital sem supervisão, o que expõe crianças e adolescentes a conteúdos para os quais não estão preparados.
É preciso repensar o tempo e o espaço do brincar, criando oportunidades para que as crianças possam brincar com outras, com os pais, amigos e pessoas próximas à família. Essas interações trazem resultados diferentes e cumprem o verdadeiro objetivo da brincadeira: ser um ensaio para a vida. Brincando, a criança aprende a negociar, ganhar, perder e administrar emoções. Isso não acontece no ambiente digital da mesma forma, porque o brincar também envolve a presença e o convívio com outras pessoas. […]
Existem leis que já atuam na proteção das crianças?
Psicóloga Thelma Alves de Oliveira: sem dúvida. A principal delas é o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1990. É nessa lei que se estabelece, podemos dizer, a coluna vertebral das legislações subsequentes ou complementares.
O ECA trabalha alguns princípios e valores essenciais para proteger as crianças:
- a criança é um sujeito de direitos: não é um objeto, não é um adulto pequeno e não é propriedade de ninguém;
- a criança está em fase de desenvolvimento: ela está aprendendo e se desenvolvendo física, cognitiva, emocional e relacionalmente. Não se pode esperar que uma criança lide com situações que ela não conhece ou para as quais não tem ferramentas — como no caso do ambiente digital;
- proteger crianças é um papel do Estado, da família e da sociedade.
○ Estado: criar políticas públicas, fazer as instituições funcionarem e colocar em prática o aparato de leis e responsabilização. Quando o Estado falha — não tem serviços ou não consegue acompanhar um caso até o fim —, ele está falhando.
○ Família: cuidar, ensinar, proteger, limitar, monitorar e transmitir valores de respeito, permitindo que a criança viva de acordo com a idade e capacidade que tem.
○ Sociedade: quando o estatuto fala em sociedade, inclui escolas, igrejas e outras instituições que também têm responsabilidade na educação e proteção das crianças.
Se esses três princípios do ECA forem lidos, interpretados e praticados, teoricamente seriam suficientes para lidar com a situação. No entanto, por causa da intensidade e da velocidade das mudanças culturais, às vezes é necessário criar leis mais específicas, como é o caso do ambiente digital. Hoje, algumas leis parecem não funcionar, e novas precisam ser criadas.
Como é o processo da denúncia e o que acontece com a criança e com a família?
Assistente social Rosane Moura: o processo de denúncia deve ser feito por todos os órgãos notificadores — hospitais, unidades básicas de saúde, UPAs, escolas — e por qualquer pessoa que perceba uma criança em risco ou passando por uma situação de violência. A denúncia pode ser feita pelo Disque 100 ou diretamente nos conselhos tutelares, inclusive de maneira anônima.
O que acontece depois da denúncia? Primeiro, o caso é investigado. São realizadas entrevistas no Conselho Tutelar para entender o que está acontecendo com a criança, como ela está reagindo e se precisa de uma escuta qualificada. Algumas crianças são encaminhadas a psicólogos para serem ouvidas de forma segura e especializada.
A partir dessa investigação, o objetivo principal é preservar a criança do risco. Na maioria dos casos, o risco está dentro da própria casa. Porém, a criança não é retirada imediatamente do lar para um abrigo ou pela polícia. Na maioria das vezes, a criança permanece com a mãe, mas longe do agressor. Em último caso, se não houver um núcleo familiar protetor (pais, avós, tios, tias…), a criança é encaminhada a um abrigo, conforme prevê o ECA.
É fundamental fazer a denúncia desde o início, porque ela garante a preservação da criança e, muitas vezes, salva vidas. Se esperar por um caso “comprovado” — com lesões, escoriações ou rompimento físico —, pode ser tarde demais. Por isso, é importante não banalizar sinais de abuso: um beijo na boca, uma passada de mão ou qualquer gesto que incomode a criança já deve ser denunciado. Denuncie sempre que perceber que a criança está sofrendo ou mudando seu comportamento por causa de alguma atitude de um adulto.
- Confira, no vídeo a seguir, todas as questões respondidas pelos especialistas sobre adultização:
O Pequeno Príncipe é participante do Pacto Global desde 2019. E a iniciativa presente nesse conteúdo contribui para o alcance do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS): Saúde e Bem-Estar (ODS 3) e Paz, Justiça e Instituições Eficazes (ODS 16).