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Ety da Conceição Gonçalves Forte: e o seu projeto mais ousado, o Pequeno Príncipe
Uma mulher incrível, de cabelos vermelhos, amor no coração e personalidade forte, como o próprio nome que carrega. Ety da Conceição Gonçalves Forte, presidente voluntária da associação mantenedora do Pequeno Príncipe, dedica mais de meio século da sua vida ao Hospital.
Com uma conversa amistosa, energia contagiante e revolucionária nas atitudes, conseguiu implantar um novo olhar sobre a saúde infantojuvenil, que uniu os avanços da ciência e tecnologia com a empatia, compaixão, dignidade e equidade. Diferenciais esses que impulsionaram o Pequeno Príncipe à posição de vanguarda em todo o país, com práticas que inspiram várias pessoas a continuar com a grande missão de proteger a vida de crianças e adolescentes.
Sua vida e a do Hospital se cruzaram em 1966 e, desde então, são indissociáveis. Em razão dessa união, milhares de vidas foram transformadas tanto de pacientes e seus familiares quanto de profissionais. Conheça algumas das muitas histórias de Dona Ety e o seu projeto mais ousado: um hospital que oferece o que há de melhor para crianças e adolescentes.
A primeira impressão e a motivação para um novo olhar sobre a saúde infantil
“Antes de assumir a presidência da Associação, eu só conhecia o andar térreo para deixar roupas e brinquedos. No dia da posse, com o Dr. Ivan Fontoura, fizemos uma visita às enfermarias e vi um cenário de desolação total, com cheiro de xixi e miséria. Foi um choque. As crianças não tinham nada. Isso me causou uma indignação muito grande e anunciei que só aceitaria a função de presidente se começasse limpando o hospital. Naquele mesmo dia, prendi o cabelo, tirei o sapato de salto alto, peguei vassoura e balde e, com a ajuda de quem estava junto, começamos a limpar tudo. Nas semanas seguintes, eu pedia coisas para todo o mundo, precisava pedir para uma nova realidade àquelas crianças, seres divinos, que tanto me ensinaram a ser valente perante a dor.”
O amor pelas crianças e por oferecer o que há de melhor a elas
“Tivemos uns períodos muito difíceis, mas como diz o jovem de hoje: ‘a gente era do bem e vencia todas’. Não digo isso com soberba, mas com muita modéstia. Como disse o Che Guevara: ‘ser revolucionário é realmente praticar obras de amor todos os dias’. É lidar com a emoção e com o amor no dia a dia. Do contrário, não se muda nada. Sempre tive um lema: nossas crianças merecem o melhor em tudo. O melhor equipamento, o melhor atendimento. Não aquela coisa deque como é para criança pobre pode ser um carrinho sem roda ou uma boneca sem cabeça. Não, não pode! Um brinquedo pode ser usado, mas tem que ser inteiro. Uma roupa não pode estar rasgada. Isso deu muita respeitabilidade para o Hospital – eu dizia claramente: o que não serve para as crianças de vocês não serve para as crianças do Hospital. O trabalho era duro. Não era só contar historinha e dar comida. Era muito trabalho. Em todos esses anos me dediquei às crianças, com o mesmo amor que dedico à minha família e às artes plásticas.”
A cadeira quebrada e o sonho de construir um novo prédio para o Hospital
“Um belo dia, eu perguntei para o meu secretário Alfredo e para a Irmã Teodata quanto nós tínhamos de dinheiro. Ela trouxe um bolinho de notas e eu sei que não era muito. Mesmo assim eu disse: ‘sabe, nós vamos construir um hospital com esse dinheiro´. A Irmã retrucou: ´e em qual terreno?´ E eu respondi: ´nesse´, indicando para o espaço localizado atrás de onde hoje funciona a lavanderia do Hospital (nos fundos dos prédios do Pequeno Príncipe e do César Pernetta). É porque ali naquele terreno as pessoas jogavam lixo. E ao lado nós fazíamos uma horta. E um dia alguém jogou no terreno uma cadeira de balanço Austríaca aos pedaços. Eu estava mexendo na horta e a cadeira bateu em mim. Na hora eu fiquei muito brava e xinguei o cidadão. Pensei: não vou poder trabalhar uma semana com esse braço machucado. Aquela cadeira me deu tanta raiva. De repente senti uma coisa muito forte dentro de mim. Então, eu peguei a cadeira na mão, levantei com o braço machucado e disse: ´você que jogou essa cadeira aqui, muito obrigado. Você um dia vai passar por aqui e ter orgulho do que vai ver. Eu já estava pensando em fazer hospital sem dinheiro, agora por causa dessa cadeira e da sua insensibilidade com relação a esse pátio de hospital, eu vou fazer um hospital. E vai dizer: ´puxa que pena, um dia eu joguei uma cadeira aqui. Em um local que é um campo santo´. E assim, por conta daquela cadeira, eu me inspirei a fazer o prédio do Hospital Pequeno Príncipe.”
A fogueira dos colchões
“Quando somos muito moços, mostramos uma coragem que não temos, e arriscamos muito. Certa manhã, fui ajudar a arrumar a cama de uma menina muito queimada. Quando coloquei as mãos para arrumar bem a menina, na palha úmida do colchão havia ‘coisas’ que mexiam. Em pânico, fui ver melhor e retirei palhas e vermes vivos do colchão. Eu estava há quatro meses no Hospital, mas não havia olhado os colchões. Vi então que quase todos estavam podres e infestados. Sem pensar, telefonei para uma fábrica de colchões. As irmãs iam me dando as medidas e eu encomendando os melhores colchões e travesseiros forrados para todo o Hospital. Sem nenhum tostão. Quando me perguntaram do pagamento, falei que era urgente, e que pagaria à vista se nos entregassem logo. As crianças não podiam dormir em cima daquilo. Tiramos os colchões e colocamos as crianças sobre alguns panos. Fizemos duas pilhas de colchões e pusemos fogo. Lembro até hoje do pavor que senti no gabinete da autoridade do governo para explicar a situação do Hospital e a compra dos colchões. Ele me recriminou ao saber da história. Eu já estava em lágrimas e tentava explicar mas ele não queria saber. Felizmente o telefone tocou e era o deputado Aníbal Khury falando que para eu parar de implorar, pois ele já tinha arranjado uma forma de fazer o pagamento. Os colchões chegaram dias depois.”
O mundo dá voltas
“No Hospital de Crianças descobri que não existem coincidências e sim a providência. Sempre encontramos soluções, algumas vezes improvisadas, outras inusitadas. Uma vez encomendei um respirador, porque todos estavam sendo utilizados e chegou uma menininha em estado grave no Hospital. Liguei para a empresa, perguntei qual o melhor e mais eficiente e mandei entregar imediatamente. Não perguntei o preço porque não ia adiantar, não tínhamos dinheiro mesmo. Precisávamos salvar mais uma vida. De repente me veio à mente o nome de um industrial da cidade, que já havia me ajudado outras vezes. Liguei e contei o que havia feito. Ele ficou até sem fala uns instantes. Depois me perguntou quanto custava. Eu falei que não sabia, dei o telefone da empresa e pedi a ele que ligasse para perguntar. Ele me chamou de insana muitas vezes, mas no fim pagou o aparelho e nos doou o respirador. Alguns dias depois, era uma manhã, chegou um médico com menino muito machucado, que tinha sido atropelado. Era uma urgência, o médico precisava de um respirador. E este menino, agora homem feito, imagine, foi salvo pelo respirador que seu próprio pai havia doado ao Hospital. Coisas assim acontecem.”
A vocação voluntária e o trabalho com o coração
“Tudo o que fazemos deve ser com o coração, com emoção. Vivo com essa máxima e por isso o trabalho voluntário sempre foi minha paixão. É um presente de Deus doar sem receber. Mas sempre doando com amor, generosidade, compreensão e o que aparecer pela frente, até um serviço, se precisar varrer, pegue uma vassoura e varre. O que a tua mão direita faz, a mão esquerda não deve saber. No passado, os voluntários chegavam aos poucos no Hospital. Tive que dispensar vários, pois eles se apegavam a um paciente. Compravam brinquinho de ouro, pulseirinha de bolinha, boneca da época e o voluntário ficava só com aquela criança. E começou a não funcionar direito porque quando a mãe chegava, a criança chorava e queria ficar com o voluntário. Aí a gente tinha que explicar que assim não podia, era preciso ajudar, fazer o trabalho burocrático na instituição e se dedicar para todas as crianças de forma igual. Com isso, se criou o serviço de Voluntariado que ficou mais fácil de organizar. Nossos voluntários hoje passam por treinamento e também ajudam a defender os direitos das crianças com o mesmo amor que a gente.”
O carinho e a gratidão por todos que a apoiaram, em especial aos profissionais
“Quando o hospital era pequeno eu sabia o nome de todas as crianças, de todas as enfermeiras, quem ficava em todos os postos, de todas as irmãs, que turno que trocava por quem, que criança que ia embora e que chegava. Era a parte que eu gostava, do contato direto com as crianças. De repente o Hospital começou a crescer, crescer e se tornou grande. Tive a minha participação, mas é mérito de todos do Hospital, de muitos profissionais. Claro, tudo foi feito com uma visão de autossustentação e, principalmente, com o objetivo de garantir o mesmo padrão de atendimento e recursos para qualquer criança. Eu plantei uma semente, pensei que fossem nascer seis pezinhos de feijão, nasceram árvores gigantescas. E muitos e muitos jardineiros foram responsáveis por essas árvores. E é a assim que queremos seguir, porque juntos somos mais fortes. Agradeço a todos pelo apoio e por seguirmos escrevendo esta história. Nos próximos 100 anos, continuaremos amando as crianças e nos dedicando a sua saúde e proteção de cada uma delas.”