Ana Carolina Venâncio: olhar sensível para a educação hospitalar

Sua história, nossa história

Ana Carolina Venâncio: um olhar sensível para a educação hospitalar

“Se fosse elencar três palavras para definir o Hospital Pequeno Príncipe, seriam: cuidado, amor e vida. Acho que isso resume bem o que fazemos aqui: é um cuidado amoroso para promover a vida.”
30/09/2025
Ana Carolina Venâncio
Ana Carolina Venâncio encontrou na educação hospitalar sua verdadeira missão e paixão. (Foto: Complexo Pequeno Príncipe/Thiana Perusso)

Ana Carolina Venâncio é a prova viva de que a educação pode transformar vidas mesmo nos momentos mais delicados. Curitibana de alma inventiva e coração dedicado, encontrou na educação hospitalar sua missão e paixão. No Hospital Pequeno Príncipe, por meio do Setor de Educação e Cultura, oferece um ensino personalizado, humano e cheio de cuidado. Mais do que ensinar conteúdos, a professora acolhe crianças e suas famílias, valorizando cada história, olhar e presente. Sua prática vai além da sala de aula tradicional: é um trabalho de amor, que abraça a complexidade da vida e da saúde e respeita a singularidade e potencialidade de cada criança.

Raízes e sonhos

“Nasci em Curitiba e morei a vida inteira aqui. Quando criança, era muito inventiva e arteira. Na escola, vivia de castigo. Mas sempre fui uma leitora voraz. Amo ler! Entrei um pouquinho antes da idade certa na escola, porque via minhas irmãs mais velhas lendo e queria aprender também. E, apesar de não ser uma aluna modelo, tive excelentes referências de professores. Quando terminei o ensino fundamental, meus pais, que não tiveram a oportunidade de estudar, já queriam que eu fosse trabalhar. Mas resisti. Falei: ‘Não! Quero estudar e me formar!’ E continuei. Fui a primeira pessoa da minha família a fazer faculdade. Logo que me formei, fiz concurso para a prefeitura, onde atuo como professora há 31 anos, e cheguei no Hospital Pequeno Príncipe em 2016.”

Um universo novo

“Em geral, nos cursos, nem existe uma disciplina de educação hospitalar e domiciliar, o que é uma falha grave nos sistemas de educação superior no Brasil. Então, a formação não prepara para essa atuação. Aprendi aqui, na prática, no dia a dia. Atualmente, atendo os serviços de Oncologia, Hemato-Oncologia e Transplante de Medula Óssea (TMO). Também dou apoio na UTI Geral e Cirúrgica, principalmente quando é algum dos meus alunos que vai para lá. Assim, fui descobrindo uma nova realidade. Porque aqui é um lugar diferente. Não são aquelas horas tradicionais da sala de aula.”

Direito garantido

“Preciso atender a todos, da melhor forma possível. Por meio do Setor de Educação e Cultura, trabalho para garantir esse direito à continuidade da educação, mesmo num momento tão delicado como a hospitalização. E o objetivo maior é que essas crianças possam retornar para a escola quando estiverem em condições, de uma forma que não tenham dificuldades e que consigam ser reinseridas sem nenhum trauma. Além disso, que possam voltar e ser acolhidas pela turma.”

Construindo pontes

“Primeiro, faço uma entrevista com a família e explico como funcionam as aulas no Hospital, que são bem diferentes. Faço também uma avaliação diagnóstica com a criança, para entender em que nível de aprendizagem ela está. Às vezes, por causa de um tratamento crônico, essa criança tem algumas lacunas de aprendizagem. E costumo dizer: não é uma dificuldade da criança, mas a situação que causou essa lacuna. Ou seja, falta retomar alguns conteúdos básicos para que ela tenha condições de deslanchar. A partir dessa avaliação inicial, entro em contato com a escola de origem. E, quando necessário, faço a adequação para atender essa criança de forma mais efetiva.”

Importância do vínculo

“Às vezes, o vínculo da criança com a escola já está meio estremecido. Então, aos poucos, também trabalhamos o vínculo dela com o grupo. Assim, fazemos videochamada para ela conhecer a professora e os colegas da turma. Além disso, já preparamos a criança para falar um pouquinho sobre si, sobre o que ela está vivendo, do jeitinho dela. E também preparamos a turma para recebê-la quando ela voltar para escola. Porque, por exemplo, em casos de quimioterapia, a criança pode estar sem cabelo e ter mudanças físicas que impactam muito emocionalmente. E dentro do grupo, precisamos ter todo um cuidado e ética para que ela não sofra bullying ou escute perguntas indesejadas. Por isso, já orientamos a escola sobre como lidar com a situação. Porque a educação é um encontro entre pessoas, né?”

Rotina hospitalar

“No Hospital, as aulas são bem flexíveis. Tudo depende da questão clínica. E quem nos orienta muito bem nisso é a equipe de enfermagem — que, inclusive, é maravilhosa! Elas nos guiam e dizem: ‘Olha, hoje, fulano está mais sensível.’ Ou: ‘Hoje, ele precisa de você.’ Ou: ‘Hoje, não vai conseguir.’ Então, elas são as primeiras balizadoras do nosso olhar. Conversamos com as psicólogas o tempo todo, porque, às vezes, um diagnóstico é complexo. Nesse sentido, ajustamos a aula de acordo com a necessidade e o tempo de atenção daquela criança. Também fazemos as reduções de registro. Por exemplo, ao invés de exigir uma resposta dissertativa, às vezes é uma resposta objetiva. Em relação às avaliações que recebemos da escola, quando necessário, dialogamos com a equipe pedagógica para adequar algumas questões nos momentos em que a criança não está bem.”

Reinserção escolar

“E quando a criança recebe alta ou mesmo em períodos planejados previamente entre as equipes, já nos organizamos. Nesses casos, emitimos pareceres. Ou seja, um documento onde relatamos quantas aulas foram dadas, qual foi o desempenho da criança em cada componente curricular, onde ela precisa de mais apoio e onde ela demonstra mais habilidade. E também explicamos como o material escolar foi trabalhado aqui, agregando essas experiências e vivências do Hospital aos conteúdos da escola. Sempre vamos focar na potência da criança, nas habilidades, e não na dificuldade.”

Acolhimento das famílias

“E, assim, uma coisa que prezo muito, com o apoio do Núcleo de Humanização, é acolher também as famílias. Porque penso muito no bem-estar, na qualidade de vida da criança, no que posso oferecer a mais para ela… Mas, muitas vezes, os pais também precisam ser apoiados, né? Então, acolho esses pais e essas mães no sentido de proporcionar uma atividade que seja leve, e até sugerir atividades que estimulem a interação entre pai e filho. Porque, hoje em dia, as pessoas estão muito focadas no celular, né? E o celular, por si só, não é um objeto pedagógico, mas ele pode ter uma função pedagógica.”

Cuidados paliativos

“Também faço parte do grupo de cuidados paliativos. E entendo que a minha missão ali é oferecer o atendimento possível dentro de cada situação específica. Porque cada criança é um universo único. Tem uma família, tem uma história, tem uma trajetória. Mesmo quando a criança entra em cuidados paliativos, quando não há mais recurso terapêutico, isso não quer dizer que não possa continuar sonhando. Nesse sentido, o que a equipe proporciona nesse momento é cuidado, para que essa criança tenha qualidade de vida e possa fazer o que mais gosta, investir no que tem vontade. Porque cuidar em paliativos é fazer um acompanhamento criterioso, com todos os profissionais juntos olhando para cada detalhe.”

Lúdico

“E, assim, um dos desafios como professores é orientar corretamente as escolas na reinserção das crianças — especialmente as que passaram pelo TMO. Muitas dessas crianças não podem pegar sol por até dois anos. Então, quando converso com a escola, explico isso de forma clara, com uma linguagem acessível, bem objetiva, para que todos entendam o porquê dessas restrições. A mesma coisa acontece com a alimentação: por um determinado período, não podem consumir alimentos crus. Tem também as medicações, que são fundamentais para o sucesso do tratamento. Trabalho isso de forma lúdica. Por exemplo, brinco de forca com o nome dos remédios. E, assim, casamos o nosso contexto com a educação. Porque a educação, para mim, deveria ser exatamente isso: casar a vida com a escola. Ter um sentido próprio, sim, mas também um significado social. Um sentido que potencie o que há de melhor em cada criança.”

Diversidade

“Uma das coisas que mais gosto é quando as crianças estão começando a ler, quando começam a fazer aquelas hipóteses, sabe? É um momento tão bonito! E aqui é um ambiente muito rico — tem aluno indígena, cigano, de outros países, de todas as linhas e denominações religiosas. É uma diversidade que nos ensina muito. Acredito muito que temos que servir as pessoas da melhor forma possível em vida. As homenagens, os reconhecimentos, precisam ser feitos em vida. Por isso, faço o melhor que posso por cada criança. Às vezes, posso até não conseguir, e tenho consciência disso — porque não sou perfeita —, mas sempre tento dar o meu melhor. Brinco muito com as crianças, tento fazer graça, alegrar o ambiente… Claro, sempre respeitando o momento. A gente precisa ter essa leitura sensível, entender quando é hora de brincar e quando é hora de apenas estar ali, em silêncio ou em apoio.”

Escola dos sonhos

“É um privilégio ter essa possibilidade de fazer um atendimento individualizado, personificado. Se tem um lugar onde realmente acontece inclusão no Brasil, é dentro da educação hospitalar e domiciliar. Não que não haja inclusão nas escolas, claro. Mas aqui, tenho o privilégio de fazer uma educação absolutamente personalizada. A estrutura que o Hospital oferece, junto com o apoio da prefeitura, permite que esse trabalho seja possível. E isso não acontece em todo lugar — infelizmente, nem todos os municípios ou estados têm programas de educação hospitalar e domiciliar. É uma pena. Mas aqui, tenho essa possibilidade. Conheço a família de perto. E sabe… muito se fala sobre a parceria entre família e escola, mas na correria do dia a dia, com a rotina das pessoas — que muitas vezes têm um, dois empregos —, essa parceria acaba se resumindo a uma reunião pedagógica rápida, um bilhete na agenda. Aqui é diferente, os pais participam das aulas. Estão ali, junto com os filhos. Já aconteceu, por exemplo, de pais que tinham dificuldade na leitura e na escrita também se envolverem, se emocionarem com os momentos pedagógicos e até se sentirem motivados a aprender junto.”

Sinceridade infantil

“Gosto de trabalhar com crianças por causa da sinceridade. A criança nunca vai ter como objetivo, de forma intencional, te magoar ou te ferir. Ela é sincera, espontânea. E a maneira como elas percebem as coisas, às vezes, pode até parecer simples, mas tem uma complexidade bonita, porque elas têm um olhar sem preconceito. Gosto disso: da sinceridade, da abertura ao novo. As crianças são abertas ao que acontece, elas não sofrem por antecedência, não ficam presas ao que ainda nem aconteceu. Elas conseguem viver o presente como um presente.”

Desafios

“O maior desafio, para mim, é quando a criança tem um prognóstico que não é favorável. Porque acabo me apaixonando por cada um deles de uma maneira única. Cada um tem um jeitinho, uma forma de falar com você, de se expressar. E quando você percebe que pode perder aquela criança, é algo que exige muito emocionalmente. Nesses momentos, precisamos ser apoio para os pais. E quando, infelizmente, acontece de perder uma criança, nos apoiamos muito no grupo, com a certeza de que tentamos fazer o melhor possível por aquela criança. Isso traz consolo. E tenho um hábito: muitas das crianças com quem crio um vínculo aqui, escrevo um poema. Sempre que me despeço de uma criança, escrevo. E quando temos mais intimidade com a família, envio esse poema aos pais. É uma forma de manter viva a memória, de expressar esse afeto todo que ficou.”

Momentos inesquecíveis

“Teve uma paciente que marcou muito. Ela se despediu de todos os profissionais que cuidaram dela. Pediu para falar individualmente com cada pessoa que, em algum momento, a atendeu. E agradeceu com uma riqueza de detalhes, relembrando situações que viveu. Foi algo que me marcou muito, porque a gratidão é uma coisa tão bonita. Temos tanto para aprender com as crianças, né? Muitas vezes, não temos noção do privilégio que é viver esse tempo presente — que não tem esse nome por acaso. E as crianças têm uma dimensão, um olhar tão rico e sensível que, na sua simplicidade, às vezes, superam muitos filósofos. Mas tem histórias divertidas. Uma vez, fiz um procedimento no rosto, porque tenho uma síndrome respiratória que afeta a minha pele. Fiquei dois dias fora. Quando voltei, meu rosto estava bem marcado. E um aluno meu, lá no meio do ambulatório, chegou de jeito e perguntou: ‘Prof., você fez esse negócio pra ficar mais bonita?” Eu falei: ‘Não!’ E ele: ‘Ufa, ainda bem, porque não deu certo!’”

Vida além da sala de aula

“Sou uma pessoa que gosta muito de ler, de assistir filmes, ir ao cinema, ao teatro! Sou muito caseira, gosto de visitar famílias, amigos, fazer alguma ação voluntária. Aos finais de semana, por exemplo, costumo fazer voluntariado lá na Ilha do Mel. Também gosto muito de contar histórias. Fui bruxa do Bosque Alemão por sete anos! Tenho uma filha que hoje está fazendo 16 anos. Ela é um milagre, pois eu fiz tratamento de câncer e, dentro da orientação médica, não era indicado que eu engravidasse. Mas engravidei durante o tratamento e decidi manter mesmo com todos os riscos. O nome dela é Ana Clara e é uma luz na minha vida. Tenho também meu marido, meu companheiro, meu apoio. Cuido muito dos meus pais, tenho uma relação muito próxima com eles. Também sou muito estudiosa. Terminei meu pós-doutorado agora em junho. Então, gosto de estar perto, de cuidar, de me conectar com as pessoas. E, acima de tudo, sou apaixonada por contar histórias.”

“Se fosse elencar três palavras para definir o Hospital Pequeno Príncipe, seriam: cuidado, amor e vida. Acho que isso resume bem o que fazemos aqui: é um cuidado amoroso para promover a vida.”

Cuidado, amor e vida

“Se fosse elencar três palavras para definir o Hospital Pequeno Príncipe, seriam: cuidado, amor e vida. Acho que isso resume bem o que fazemos aqui: é um cuidado amoroso para promover a vida. E sempre de forma muito personalizada. Porque vejo assim: das nossas crianças aqui, qualquer uma que atendo agora, posso dizer quem é o pai, quem é a mãe, sei o nome das pessoas, sei de onde vieram. Estamos por dentro da história, fazemos parte da história. Acredito que todo ambiente que trata de pessoas precisa ter isso: não tratamos doenças, tratamos crianças, trata seres humanos. E seres humanos na sua totalidade. Não é só aquela criança ali sozinha — ali está envolvida toda uma família, toda uma equipe. Tudo é pensado para acolher. Aqui tem um brilho diferente.”

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