Estudo coordenado no Brasil pelo Instituto de Pesquisa Pelé Pequeno Príncipe mostra que mais de 10% dos pacientes em estado grave da doença produzem autoanticorpos
Dois artigos publicados em setembro na revista Science mostram que mais de 10% das pessoas jovens e saudáveis que desenvolvem formas graves de COVID-19 produzem anticorpos que não atacam o vírus que causa a doença, mas o próprio sistema imunológico (autoanticorpos). Outros 3,5%, pelo menos, carregam um tipo específico de mutação genética que afeta a resposta imunológica. As descobertas fazem parte da pesquisa conduzida pelo “COVID Human Genetic Effort”, um projeto internacional em andamento que abrange mais de 50 centros de sequenciamento genético e centenas de hospitais em todo o mundo. No Brasil, a pesquisa é liderada pela cientista do Instituto de Pesquisa Pelé Pequeno Príncipe, Carolina Prando, juntamente com o pesquisador da Universidade de São Paulo (USP), Antonio Condino Neto.
Em ambas as situações encontradas pelos pesquisadores, o resultado é basicamente o mesmo: os pacientes perdem interferon tipo I, um grupo de 17 proteínas cruciais para a proteção do organismo humano contra as infecções virais. Quer essas proteínas tenham sido neutralizadas pelos chamados autoanticorpos ou não tenham sido produzidas em quantidades suficientes devido a um gene defeituoso, sua falta de ação é comum entre esses subgrupos de pessoas que apresentam quadro muito grave da COVID-19.
“As descobertas explicam por que algumas pessoas desenvolvem uma doença muito mais grave do que outras em sua faixa etária – incluindo, por exemplo, indivíduos que precisaram ser internados na UTI apesar de estarem na casa dos 20 anos e livres de comorbidades”, explica a cientista, que será também a homenageada científica do Gala Pequeno Príncipe 2020 – Uma Jornada pela Esperança, evento que neste ano será on-line, no dia 18 de novembro.
No estudo, os pesquisadores analisaram geneticamente amostras de sangue de mais de 650 pacientes que foram hospitalizados por pneumonia com risco de morte devido à infecção pelo SARS-CoV-2 (14% morreram). No grupo controle foram incluídas amostras de mais de 530 pessoas com infecção assintomática ou benigna. Inicialmente, os pesquisadores procuraram por diferenças entre os dois grupos, relacionadas a 13 genes conhecidos por serem críticos para a defesa do corpo contra o vírus da gripe. Esses genes governam os interferons tipo I. “Um número significativo de pessoas com a forma grave da COVID-19 carregava variantes raras nesses 13 genes, e mais de 3% delas não tinham um gene funcional”, observa a pesquisadora.
“Essas descobertas fornecem evidências convincentes de que a interrupção do interferon tipo I é muitas vezes a causa da COVID-19 com risco de morte”, diz Jean-Laurent Casanova, chefe do Laboratório St. Giles de Genética Humana de Doenças Infecciosas da Universidade Rockefeller, investigador do Howard Hughes Medical Institute e líder do “COVID Human Genetic Effort”.
Segundo Carolina, o grande ganho dessa descoberta é que os pacientes que apresentam essas características podem ser tratados com medicações que já estão no mercado atualmente, reduzindo os índices de mortalidade por COVID-19.
Condição autoimune
O estudo também avaliou 987 pacientes com COVID-19 com risco de morte e descobriu que mais de 10% tinham autoanticorpos contra interferons no início da infecção. A maioria deles, 95%, eram homens. “Essa descoberta impacta, por exemplo, nos tratamentos com plasma convalescente humano. Se o doador apresenta os autoanticorpos, o plasma do seu sangue não pode ser utilizado no tratamento de outro paciente infectado, sob o risco de agravar o quadro de saúde”, destaca a pesquisadora.
“Essas descobertas indicam fortemente que esses autoanticorpos são, na verdade, o motivo pelo qual algumas pessoas ficam muito doentes, e não a consequência da infecção”, afirma Casanova.
Participação brasileira
O Brasil conta com dois centros de sequenciamento genético participando do “COVID Human Genetic Effort”: um centro localizado no Complexo Pequeno Príncipe (Curitiba/PR) e um localizado na USP (São Paulo/SP). A partir desses centros, foram estabelecidas parcerias com outras 20 universidades e hospitais do país para a coleta de dados epidemiológicos, sequenciamento de exoma e estudos funcionais. Os resultados publicados na revista Science referem-se a amostras coletadas na Europa, Ásia, América Latina e Oriente Médio. As amostras brasileiras serão incluídas nas próximas análises. “Já temos cerca de 250 amostras coletadas, cujas análises integrarão os próximos estudos”, conclui Carolina.
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